Daniel Guanaes, PhD em Teologia pela Universidade de Aberdeen, é pastor presbiteriano, psicólogo e líder do movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial). Divulgação

A I das Bets reacendeu um debate necessário sobre os impactos das casas de apostas no Brasil. Em busca de investigar ações criminosas com lavagem de dinheiro e manipulações de resultados no futebol, ela revela como os jogos online influenciam no orçamento das famílias brasileiras e trata de um problema mais profundo e cotidiano: um mercado que lucra com a ilusão da sorte, da exceção e da ascensão imediata.

Em 2023, os dez maiores sites de apostas no país somaram mais de 4 bilhões de os. Estima-se que 9 milhões de brasileiros já tenham apostado online, muitos com frequência diária ou semanal. Jovens endividados, adultos compulsivos e famílias destruídas por esse vício se acumulam em silêncio, longe das estatísticas oficiais.

O que está em jogo não é apenas dinheiro, mas a forma como essas plataformas exploram o desejo de prosperar. Apostar, muitas vezes, não é só buscar um prêmio. É tentar vencer a sensação de fracasso, pertencer a algum lugar, mudar de história. Há quem deposite, em um único clique, a esperança de redenção de uma vida inteira.

Esse discurso encontra eco em outro cenário igualmente familiar: o religioso. A teologia da prosperidade explora o mesmo desejo. Enquanto uma plataforma promete retorno financeiro com base em palpites esportivos, há quem prometa bênçãos divinas mediante uma “semeadura” em dinheiro. Dízimos e ofertas, nesse contexto, deixam de ser expressão de fé para ser investimento com promessa de retorno. É a aposta espiritual.

Ambos os sistemas, cada um a sua maneira, distorcem a realidade. Um aposta nas probabilidades do esporte; o outro, contra a sobriedade da fé. Um manipula estatísticas; o outro, versículos. Um opera com marketing agressivo; o outro, com promessas ungidas. Ambos iludem porque oferecem atalhos onde só existem processos, fórmulas onde é preciso discernimento, mágica onde deveria haver trabalho, justiça e paciência.

O problema dessa lógica não é apenas moral, é existencial. Vivemos uma cultura que associa valor pessoal a resultados e que faz da vitória a única forma de visibilidade. Nesse contexto, apostas e promessas de prosperidade milagrosa se tornam mecanismos simbólicos de sobrevivência em um país desigual, onde o mérito é exaltado, mas as oportunidades são mal distribuídas.

O desafio não é apenas denunciar. É propor alternativas que não sejam moralistas, nem simplistas. Condenar o vício sem tratar do vazio que o alimenta é inútil. O que vicia não é apenas o jogo ou a fé infantilizada, mas a fantasia de que a dor pode cessar num e de mágica. É a urgência por escapar do sofrimento num país onde trabalho digno, o à educação e estabilidade parecem cada vez mais distantes.

Talvez o caminho comece por uma recuperação ética do que significa prosperar. O desejo de ascender é legítimo, mas é preciso questionar os caminhos que prometem atalhos ilusórios. Uma sociedade saudável não precisa recorrer a dízimos lotéricos nem a apostas viciantes para manter viva a esperança de uma vida melhor. Ela oferece chão, não apenas palco. Caminho, e não só chegada.
Daniel Guanaes é PhD em Teologia pela Universidade de Aberdeen, é pastor presbiteriano, psicólogo e líder do movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial)