Antônio Geraldo da SilvaDivulgação
Antônio Geraldo da Silva - 18 de Maio: combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes - pelo direito de viver uma infância segura, inteira e feliz
Ela tinha apenas oito anos e costumava abraçar os cadernos contra o peito, como quem tenta proteger o pouco de infância que lhe restava. Evitava o olhar dos adultos e se assustava com barulhos altos. Ninguém sabia ao certo o que havia mudado, mas ela não era mais a mesma. O que seus olhos silenciavam, o corpo gritava em pequenos gestos. Essa menina poderia ser a sua filha, sua sobrinha, sua aluna, sua vizinha. E, infelizmente, ela não está sozinha. A infância de milhares de crianças no Brasil é violada todos os anos por algo que não deveria ter nome: o abuso sexual.
No entanto, todos os anos, milhares de histórias de crianças e adolescentes são brutalmente marcadas por algo que nunca deveria acontecer: o abuso e a exploração sexual. O dia 18 de maio foi instituído justamente para não deixarmos essas histórias arem em branco. Desde 2000, a data nos convida, nos convoca, a olhar com responsabilidade para o direito mais fundamental da infância: o de crescer em segurança, com vínculos de amor, confiança e respeito.
O Brasil inteiro é chamado a se mobilizar em memória de Araceli Crespo, uma menina de apenas 8 anos, violentada e assassinada no Espírito Santo, em 1973. Ela se tornou símbolo de um grito coletivo por justiça, proteção e cuidado. E o grito ainda ecoa, porque o silêncio que envolve esses crimes é cruel.
Como psiquiatra, vejo com frequência as cicatrizes deixadas por essa forma de violência. E elas não estão apenas no corpo: estão nos olhos, nos vínculos rompidos, nos sentimentos de culpa e desamparo. Crianças e adolescentes que foram abusados crescem com um risco muito maior de desenvolver depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, distúrbios alimentares, automutilação, dependência química. E, infelizmente, em muitos casos, o abuso constante e prolongado pode transformar em base para transtornos graves de personalidade. Podendo desorganizar a capacidade de amar, confiar e pertencer.
Mais do que uma violação física, o abuso é uma traição profunda ao afeto. É o amor sendo distorcido. E quando a criança aprende que quem deveria proteger também pode machucar, ela pode ar a construir vínculos com medo, com defesa, com dor e muito sofrimento, porque permitir isto?
É por isso que precisamos denunciar. Precisamos romper o silêncio. Crianças não costumam dizer com palavras o que sentem, mas elas demonstram: na mudança repentina de comportamento, no isolamento, nas quedas de rendimento escolar, nas queixas somáticas, nos medos novos. Temos que ler os cenários, interpretar criticamente tudo que envolve as crianças e até adolescentes. Precisamos aprender a escutar com o coração.
E precisamos ensinar, desde cedo, o que é amor de verdade. Amor que cuida, que respeita os limites, que não exige segredo, que não confunde toque com violência, carinho com posse, proximidade com invasão. A campanha do 18 de maio é sobre isso: ensinar, proteger, acolher. E garantir que cada criança e adolescente conheça uma forma de amor que não fere.
Denunciar é um gesto de amor. O Disque 100 está disponível, de forma anônima e segura, para receber denúncias de qualquer violação de direitos humanos. Está ativo todos os dias, a qualquer hora.
Neste 18 de maio, que a nossa mobilização vá além da indignação. Que ela seja afeto concreto: na escuta atenta, na educação afetiva, na denúncia responsável e na construção de uma sociedade que saiba, enfim, amar suas crianças.
Porque nenhuma criança deveria ter medo de amar. E nenhum amor deveria ferir.
Denuncie. Proteja. Ensine. Ame. Não se omita! Seja parte da solução deste grave problema! DISQUE 100! Se precisar, peça ajuda.
Antônio Geraldo da Silva é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria
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