Faculdade Nacional de Direito, da UFRJReprodução / Google Street View

Rio - Uma servidora técnica da Faculdade Nacional de Direito (FND), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), relatou ter sido alvo de racismo por parte de um professor da instituição. Em vídeo publicado nesta terça-feira (13), Josi Lima relatou que o docente a ordenou servir uma torta e refrigerante, atribuição que não é compatível com o cargo ocupado por ela, chefe de seção de Atividades Gerenciais.
Josi disse que estava atuando como coordenadora istrativa do Concurso para Professor Efetivo de Direito Civil da FND e acompanharia o julgamento dos recursos. No entanto, o presidente da banca foi até sua sala e disse que não gostaria de ser atendido por ela, mas por um outro funcionário.
"Ele chegou na minha sala com um tom muito elevado, muito nervoso, e disse que não gostou de saber que iria ser atendido por mim e que preferia ser atendido por outro servidor. Esse servidor a quem ele estava se referindo é um homem branco. Depois disso, ele falou a lista de tudo que eu tinha que fazer e, por último, falou: ’Providencia café e água para a banca’. Eu fingi que não entendi, mudei de assunto. Ele não teria porquê exigir café e muito menos me mandar providenciar, porque eu não estava ali para isso", disse Josi.
No dia seguinte, a servidora explicou que preferiu evitar contato com o professor e, em certo momento, foi até a sala onde estavam os candidatos do concurso. Nesse momento, o presidente da banca entrou no local e pediu para que ela servisse a torta.
"Já tinha sido uma experiência desagradável no dia anterior e eu tinha muitas outras tarefas para fazer. À noite, não fui na sala onde ele estava reunido com a banca, decidi ficar na sala onde estavam os candidatos, que também ficam acompanhados por um servidor. Quando eu estava lá, o professor chega na porta, olha para mim e diz: 'Vai providenciar torta e Guaraná para servir após a apuração'. Fiquei assustada, não sabia do que ele estava falando", contou.
"Na hora, eu pensei: 'Que racista filha da mãe', mas eu não ia fazer nada porque tinha um interesse público ali, um interesse do concurso, e já era muito tarde da noite. Deixei isso para lá e, somente no dia seguinte, fui entender o que tinha acontecido. Esse senhor entregou a torta para dois outros coordenadores do concurso que fizeram o favor de guardar. Ele estava na sala com esses dois outros, mas decidiu ir na sala onde eu estava para me mandar servir torta", acrescentou.
Após o caso, Josi prestou queixa à Direção da unidade, que encaminhou a denúncia à Divisão istrativa de Comissões (DAC), responsável por apurar infrações istrativas na UFRJ. Além disso, registrou o caso na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). 
De acordo com a servidora, o caso aconteceu em novembro, mas voltou à tona em março, quando uma professora tentou convencê-la de uma versão alternativa do que havia ocorrido.
"Em uma nova versão do caso, esse senhor diz que, no dia anterior a ele ter me mandado providenciar café e água, eu teria ido juntamente com uma professora servir café e água para a banca. Coisa que nunca aconteceu. Nunca. Minha advogada me ou esse depoimento dele e eu fiquei muito desesperada. Era claramente uma mentira", relatou.
"No dia seguinte ao que eu soube disso, eu fui procurada pela professora. Um dia após ele ter dado depoimento na delegacia. Ele conta que o café foi feito na minha sala, mas lá não tem cafeteira. Então ela precisava de uma prova material que dissesse que o café tinha sido feito na minha sala, porque ficaria mais difícil de desmentir a história", complementou.
Ainda durante seu posicionamento, Josi explica que gravou a conversa com a professora com objetivo de levar o material aos responsáveis pelas investigações, além de duas pessoas que acompanhavam o caso. No entanto, nesta segunda-feira, foi informada de que o vídeo estava circulando entre pessoas ligadas à universidade.
"Como eu estava com medo deles atentarem contra mim, eu dei esse vídeo para duas pessoas, além de estar na delegacia e no processo istrativo. São pessoas que estão legitimadas a continuar com o inquérito caso algo aconteça comigo. Hoje de manhã, fui acordada com a notícia de que esse vídeo foi vazado, está em grupos, não sei se de alunos, não sei… Mas vazaram o vídeo contra a minha vontade. Esse vídeo jamais poderia ter sido vazado. É minha intimidade, minha vida, um vídeo que foi gravado com finalidade específica. Nem mesmo a minha família viu. Esse nunca foi meu posicionamento quanto vítima, falar sobre o caso", lamentou.
Por meio de nota, a UFRJ informou que, assim que a servidora denunciou o caso à DAC, instaurou-se uma investigação preliminar. "Após envio de elementos indiciários pela servidora denunciante, a corregedoria decidiu pela instauração de comissão de sindicância investigativa para apurar as condutas relatadas. A comissão está realizando suas atividades conforme previsão legal", informa o comunicado.
"A UFRJ tem uma política institucional de combate ao racismo, ao assédio e a LGBTfobia. Através de várias instâncias e iniciativas tem trabalhado ativamente para combater o racismo em seus diversos contextos, incluindo o acadêmico e o social. A Universidade, por meio de sua Corregedoria e da Comissão de Ética, elaborou cartilha de combate às várias formas de assédio, além de já ter encaminhado, no início desse mês, ao Consuni, proposta de resolução em que se definem as condutas consideradas assediosas", concluiu.
DIA não conseguiu contato com os professores citados, que não tiveram as identificações divulgadas. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.