Rio - Após dois anos desde o último projeto, o cantor e compositor carioca Rubel, de 34 anos, retorna com força total à cena musical. Com título provocativo e existencial, "Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?", o atual trabalho do artista marca não apenas um novo capítulo na trajetória profissional dele, mas também um recomeço pessoal e simbólico — já que enfrentou um grave problema de saúde que quase o tirou a vida.
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Em 2023, no auge da carreira, Rubel foi diagnosticado com um prolapso da válvula mitral, uma condição cardíaca que exigiu uma cirurgia delicada e afastamento das atividades musicais. O susto veio justamente quando ele colhia os frutos do sucesso nacional como as músicas "Partilhar" e "Quando Bate Aquela Saudade", e celebrava uma indicação ao Grammy Latino.
"Foi tudo muito repentino. Aos 32 anos, com um diagnóstico que envolvia risco de morte, precisei repensar tudo. Hoje estou 100% curado. Meu coração voltou ao normal, como se nada tivesse acontecido. Mas aquilo mexeu comigo. Me tornei, de alguma forma, mais vivo — no sentido mais profundo da palavra", conta o músico.
O quarto álbum de estúdio foi gestado nesse momento de ressignificação. O título curioso — "Beleza. Mas agora o que a gente faz com que isso?" — veio apenas depois das faixas já estarem quase finalizadas. "Queria algo provocativo, quase como uma fala entre duas pessoas, sem contexto. Uma frase que deixa uma pergunta no ar. Irônica, ambígua, existencial. Você não sabe quem é que está falando, você não sabe o que elas disseram antes, você não sabe o tom… se é uma pergunta sincera, se é uma pergunta irônica, se é um desabafo. Então, acho que cabe a cada pessoa que ouvir imaginar a sua explicação."
Segundo Rubel, a escolha também reflete o tom das novas canções. "Acho que eu já tinha mais ou menos o disco na cabeça e o título tinha a ver com o tom das canções. Eu queria um título que fosse imprevisível. E é uma frase que, por ser uma pergunta, por ter uma ironia, ela é muito aberta".
Diferente do projeto anterior, "As Palavras Vol. 1 & 2" (2023), que reunia colaborações grandiosas com Milton Nascimento, MC Carol, BK e Xande de Pilares, o novo trabalho é mais íntimo e existencial, com um retorno ao violão e às origens. "Estava com um pouco de saudade de compor músicas no violão, compor músicas que eram realmente intimistas. O projeto anterior estava muito imerso num ambiente coletivo, político, de refletir o Brasil. Esse é quase como um disco de reabilitação. Uma volta pro íntimo e para o pequeno. Uma volta para um tipo de canção que as pessoas me conheceram lá atrás."
Rubel explica que, embora essa volta traga elementos do início de sua carreira, ela é feita por um artista com outra bagagem. "Comecei minha carreira num lugar, experimentei muitas coisas no segundo álbum, experimentei mais ainda no terceiro, e agora queria voltar um pouco para aquela estética. Mas, na verdade, eu não volto para o mesmo lugar, porque ele é bem diferente do início também", analisa.
O disco é marcado por letras que falam do tempo, da finitude e da preciosidade de estar vivo. Faixas como "Resposta ao Tempo" e "Praticar a Teimosia" são centrais nessa proposta. "'Resposta ao Tempo' é um diálogo com o tempo. Uma indignação. Tipo: 'Tempo, como você faz isso com a gente?'", afirma. "Já 'Praticar a Teimosia' aborda diretamente o paradoxo da morte como propulsora da vida. É ela que dá urgência para gente viver, amar, formar uma família. Porque vai acabar, é isso que torna tudo tão precioso".
O cantor revela que a inclusão da regravação de "Reckoner", do Radiohead, para fechar o álbum, tem um significado pessoal. "É uma música que me acompanhou em vários momentos da minha vida, desde os 15 anos. Sempre gostei muito de tocá-la, mas há um tempo eu tinha parado. No estúdio, ao brincar com as músicas novas, ela ressurgiu com força, como se fizesse parte do meu DNA. Achei que combinava perfeitamente com o tom melancólico e esperançoso do disco, trazendo um contraste interessante ao repertório. Além disso, por ser uma música em inglês, ela abre um diálogo com o público internacional".
De um hobby solitário à consagração nacional
A trajetória de Rubel começou de forma quase acidental. Em 2013, gravou de forma independente o disco "Pearl", com ajuda de amigos, sem qualquer expectativa de seguir carreira. "Comecei a tocar violão com uns 9 anos, e a compor por volta dos 14, 15, mas era tudo como um hobby. Aos 19, 20 anos, já tinha umas 8, 9 canções e resolvi gravar um disco – bem despretensiosamente – só pra registrar essas músicas. Coloquei tudo na internet, ainda nem existia streaming, era YouTube e direto pelo site que eu mesmo criei."
O início foi tímido: os shows eram pequenos e o reconhecimento, ao seu círculo social. "Durante dois anos, eu tocava para dez pessoas — nove delas eram meus amigos", brinca.
O ponto de virada veio em 2015, com o lançamento do clipe de "Quando Bate Aquela Saudade", que viralizou na internet e impulsionou a carreira dele. "Demorei muito para aceitar que música poderia ser meu trabalho. Cresci num ambiente onde isso era sinônimo de fracasso. Cresci num colégio muito tradicional na Zona Sul do Rio, onde até trabalhar com comunicação já era algo 'alternativo'. Imagina música".
"Eu não tinha muita pretensão de que aquilo fosse meu ofício, e nem achava que eu tinha talento suficiente para isso. Cresci em um ambiente em que a música era um hobby, um atempo. Mas era um atestado de que eu iria morrer de fome, que eu ia ser um fracassado. Então, foi um processo muito lento de aceitar que aquilo poderia ser meu trabalho. Demorei anos para entender que, sim, aquilo era minha profissão", relembra.
O próximo desafio?
Para o futuro imediato, o artista planeja uma turnê solo - voz e violão. "Esse é meu desafio agora: fazer um show pequeno na forma, mas grandioso na emoção. Que só eu e meu violão consigamos preencher um teatro inteiro", conta o cantor, que pretende reunir músicas de todos os seus discos nessa turnê.
E, depois de um disco tão pessoal, o que Rubel quer fazer com tudo isso? "Eu quero lançar, comemorar muito com os amigos… Esse trabalho é muito especial. Trabalhei duro, me expus, fui fundo. Agora é hora de celebrar.” E a turnê será o próximo o natural: "Vamos levar esse disco para todas as capitais do Brasil. Eu quero pegar meu violão, botar ele embaixo do braço e sair tocando para as pessoas. Espero que o público ouça com cuidado, carinho, atenção, e que faça parte da vida de quem me escuta".
Sobre a possibilidade de expandir sua carreira para fora do Brasil, o artista conta que essa ideia está ganhando forma aos poucos. "Temos uma parceria com o selo europeu Alvarez, que também atua no Japão, e eles estão apoiando o lançamento do disco nesses mercados. Estou planejando uma turnê pela Europa, o que é muito empolgante. Nunca tive a pretensão de construir uma carreira internacional, mas essa porta está se abrindo de forma natural. Meu estilo dialoga com uma linha mais orgânica e intimista, algo que acho que o público estrangeiro pode apreciar. Se essa oportunidade continuar crescendo, vou abraçá-la com muito carinho e gratidão, como um presente do universo".
Com experiência em turnês internacionais, Rubel lembra que o contato com o público europeu foi bastante positivo. "No ado, já fiz turnê na Europa e foi incrível sentir essa conexão. Não sei exatamente como será o futuro, mas estou aberto e animado para essa jornada".
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