Encarando uma dieta alimentar draconiana, em meio aos amigos gulosos e glutões, estou na beira do precipício, ao lado do fogão aquecido a lenha. Batatas cozidas, carne magra com um cheirinho de tempero, cozida. Ah, uns caldos sem gosto e sem afeto, muita água e sucos de umas poucas frutas. Vida perversa, cercada por olhares vigilantes da patroa. E, ainda ladeado por amigos adoradores de churrascos com carnes variadas. Eu? Só olhando e sentindo o aroma, o popular cheiro. E as cervejas...
Lembrei do amigo, o Tião Careca. Ele morreu tem uns 10 anos. Estava internado em hospital e deram alta para que morresse em casa, cercado da família e amigos. Triste lembrança. Quem cuidava dele no domicílio era uma nora. Esqueci o nome dela. Somente preparava a dieta alimentar para as refeições. Tião, lúcido e esfomeado, implorava feijoada, mocotó, peixada, tudo que apreciava antes da doença derrubar a saúde do querido Tião. Mas como todos sabiam que ele estava no fim, resolveram atender o desejo do quase então moribundo. Afinal, o que poderia prejudicar a combalida e ausente saúde do vizinho? Na última reunião na casa dele, ficou estabelecido que faríamos um cardápio suculento, variado e supimpa. Com direito a batida de limão sem açúcar a predileta dele e uma cerveja. Mas a presença da vigilante e ignorante nora teria que ser ludibriada.
No bar do Zé, distante 300 metros da casa do Tião, amigos se reuniram para bolar o plano de neutralizar a mulher. Caramba, foram várias rodadas de cervejas com tira-gosto variado para se chegar ao esquema de afastar a nora. Teve até croqui, organograma de tarefas, quem levaria pratos, talheres, guardanapos, enfim: cada um teria um papel no esquema furtivo e que tinha tudo para dar certo. Até horários de saída e de retorno, com os dias certos da ausência da mulher. Ela fazia compras de alimentos e outros itens do lar às quartas feiras. Ficava cerca de umas três horas fora do lar. Céus, o esquema no papel mais parecia aquele usado pelas forças militares para ataques-surpresa.
As tarefas foram distribuídas. Comidas, bebidas, esquema de vigilância, toques de alarmes para possível emergência, postos de observação, enfim, um plano tático que não poderia falhar. A data? Ora, na semana seguinte. Afinal, nosso paciente não poderia aguardar por muito tempo.
Dias se aram e na terça-feira, véspera da ação, surge a nora mal-amada pelo nosso grupo. A mulher sabia onde encontrar a turma: no bar do Zé. Descabelada e chorando, gritou: ele morreu...
O velório foi um dos melhores, farto e divertido gurufim que participamos. Após o sepultamento, na quarta-feira marcada para o regabofe, saboreamos todo o cardápio homenageando o falecido. Só lamentamos a ausência do amigo.
Hoje em dia, cá estou, com dieta e vivo. Mas, com fome. E atento.