Publicado 08/06/2025 00:00
Que atire a primeira pedra quem nunca se deparou com um ou uma narcisista ao longo do seu caminho. Afinal, não é fácil identificar que você pode estar na mão de um e, o pior, ter muita dificuldade para se livrar daquele (a) que te fez juras de amor um dia e poderia ter vivido um relacionamento bacana, mas tudo foi por água abaixo. O tema tem sido tão recorrente em rodas de amigos e nos consultórios de terapia que junho é o mês da Conscientização do Abuso Narcisista. Trata-se de um assunto essencial para refletir sobre os perigos de relacionamentos abusivos, especialmente os que envolvem namoro.
PublicidadeA ideia dessa conscientização é alertar sobre comportamentos tóxicos como manipulação, controle e desvalorização. Relacionamentos com pessoas narcisistas costumam afetar profundamente a autoestima e a liberdade da vítima. Entender os sinais é o primeiro o para reconhecer e sair de relações perigosas como explica a psicóloga Andressa Taketa ao longo dessa reportagem.
Normalmente, as mulheres são as maiores vítimas dos narcisistas, mas o contrário também é verdade. Duas pessoas deram depoimento para o jornal O DIA com a condição de anonimato. A mulher tem 55 anos, é professora e conta que sofreu muito com o relacionamento abusivo, mas hoje acha que está fortalecida e muito mais atenta. Já o homem de 40 anos é engenheiro, superou, mas confessa que na época ficou bem abalado com a situação. Veja a seguir os dois depoimentos.
Tratamento de silêncio
"Tive essa experiência traumática. É muito difícil, no início, você detectar que caiu nas mãos de um abusador narcisista, porque são pessoas extremamente inteligentes, sedutoras que te fazem um love bomb, um bombardeio de amor muito forte. E quando você vê está profundamente envolvida. E depois, a pessoa vai te retirando aquilo que você se acostumou a ter. E ela vai, em seguida, te dando um tratamento de silêncio. Esse tratamento de silêncio é uma das piores coisas que eu já experimentei na minha vida.
"Tive essa experiência traumática. É muito difícil, no início, você detectar que caiu nas mãos de um abusador narcisista, porque são pessoas extremamente inteligentes, sedutoras que te fazem um love bomb, um bombardeio de amor muito forte. E quando você vê está profundamente envolvida. E depois, a pessoa vai te retirando aquilo que você se acostumou a ter. E ela vai, em seguida, te dando um tratamento de silêncio. Esse tratamento de silêncio é uma das piores coisas que eu já experimentei na minha vida.
Já tive problemas em outros relacionamentos, questão que tinham que ser resolvidas, mas o tratamento de silêncio é uma forma que o narcisista usa para te punir. É muito doloroso porque você não sabe o que aconteceu, o que fez para ele estar te tratando daquela forma. Aí é necessário ter uma força imensurável. No meu caso, eu tive essa lucidez eu detectei que eu estava na mão de um abusador narcisista. E fiz um plano de fuga, uma rota, saí sem olhar para trás, mas isso quase não acontece.
Muitas mulheres ficam nesse ciclo. Eu fiquei um tempo que considero pouco, mas serviu para o meu amadurecimento. Agora me observo mais de uma outra forma, recuperei também com essa experiência a criança que eu fui, toda a minha trajetória com a minha família, com o meu pai. São as nossas carências afetivas porque as pessoas na verdade elas dão sinais e a gente acaba não percebendo porque fica difícil olhar para si e ver que temos as nossas dependências emocionais.
Essa experiência foi muito importante para mim, pois hoje eu vejo além das aparências e sigo a minha intuição. Precisamos ar por algumas dores para amadurecer, para criar uma casca,mas não que te coloque rígida, que te faça não acreditar nas pessoas, mas é preciso ser mais atenta e se preservar mais porque acaba que talvez essa dependência emocional faça você entregar tudo para o outro também muito rápido.
E, na verdade, não é assim que se constroem as coisas. Essas pessoas precisam ser colocadas no lugar delas. Não sei se ser desmascaradas. Eu, no caso, desmascarei, falei que eu sabia quem ele era, que a máscara dele tinha caído. E foi incrível como aí ele falou e escreveu horrores. Nessa hora você fica impactada porque a máscara cai efetivamente..
Hoje eu sou uma outra pessoa e eu agradeço esse episódio ruim que me fez muito mais forte, mais atenta, mais sagaz, indo nas minhas feridas, nas minhas sombras, sem medo e saindo melhor. Me sinto mais feliz e potente".
'Falava mal do ex-marido e fazia tudo por mim'
"Não é fácil descobrir que a pessoa que você ama é uma narcisa. Desde o começo, ela dava sinais. Falava muito mal do ex-marido, sempre colocando ele na posição de vilão, e ela a mocinha da história. Resolvi acreditar que aquele padrão não se repetiria. E, no começo, fui enganado porque ela era uma pessoa bastante proativa na relação. Fazia tudo por mim, dava mil demonstrações de amor. Chegou a fazer, não uma, mas duas tatuagens com o meu nome. Isso massageia o ego e encanta qualquer um. Mas cada demonstração pública de amor vinha acompanhada de comparações. Comigo, dizendo que eu não faria o mesmo por ela, e, mais preocupante, com a minha ex.
Hoje eu sou uma outra pessoa e eu agradeço esse episódio ruim que me fez muito mais forte, mais atenta, mais sagaz, indo nas minhas feridas, nas minhas sombras, sem medo e saindo melhor. Me sinto mais feliz e potente".
'Falava mal do ex-marido e fazia tudo por mim'
"Não é fácil descobrir que a pessoa que você ama é uma narcisa. Desde o começo, ela dava sinais. Falava muito mal do ex-marido, sempre colocando ele na posição de vilão, e ela a mocinha da história. Resolvi acreditar que aquele padrão não se repetiria. E, no começo, fui enganado porque ela era uma pessoa bastante proativa na relação. Fazia tudo por mim, dava mil demonstrações de amor. Chegou a fazer, não uma, mas duas tatuagens com o meu nome. Isso massageia o ego e encanta qualquer um. Mas cada demonstração pública de amor vinha acompanhada de comparações. Comigo, dizendo que eu não faria o mesmo por ela, e, mais preocupante, com a minha ex.
Quando ela dizia que queria me dar um filho — em vez de dizer que teríamos um filho juntos — jogava na minha cara que minha ex não podia engravidar. Qualquer pequeno gesto ela dizia que ninguém mais no mundo faria aquilo por mim; só ela, tudo ela. Afirmava ser protagonista sempre. Eu me dava conta cada vez mais da doença dela, mas acreditava na cura. Mesmo não morando na mesma casa, eu propunha fazermos terapia de casal. Ela, claro, sempre negava. Era mais um sintoma de que ela não deixaria eu co-protagonizar aquela relação. Nem coadjuvante eu poderia ser.
Ela já tinha determinado que meu lugar era o de antagonista do filme do nosso relacionamento. Chegou ao ponto de ela fazer eu me sentir culpado por minhas conquistas e, até, dinheiro. E ela nem disfarçava mais: me ameaçava dizendo que me trocaria por alguém pior sucedido, menos bonito, para ela se sentir mais segura. Porque, afinal, só o que importava era ela se sentir bem, segura, por cima. Ela definitivamente não conseguia conviver lado a lado amorosamente com alguém. Precisava ser melhor sucedida, mais popular, ter mais controle que o seu par. Uma amiga em comum me confidenciou que tanto o ex-marido quanto o namorado que me sucedeu ocuparam esse lugar de sombra dela.
Essa ex narcisista tem a mesma profissão que eu. Então, prefiro não expô-la. Não falo dela nem para amigos. Depois dela, procurei me relacionar com pessoas de outras profissões. Atualmente, minha namorada é médica. É uma pessoa da cura. Sabe? Nós nos apegamos muito às pessoas que nos adoecem, e esquecemos das que nos curam. Minha namorada me curou tanto, que estamos planejando engravidar. Isto mesmo os dois. Porque não vamos dar ‘o dom da vida’ ao outro. Vamos fazer e criar um filho juntos. Este é o final feliz do nosso filme… E o começo de uma história a três".
Máscara de bondade e generosidade
A história da professora e do engenheiro se repete em várias faixas etárias e classes sociais. Com certeza, eles não serão os primeiros nem os últimos a ar por um a relacionamento conturbado, mas é bom saber que encontrar profissionais que entendam do riscado é uma ótima forma de não mais cair neste tipo de cilada. A psicóloga Andressa Taketa, especialista em relacionamento, fala como é o comportamento dos narcisos e o que fazer para identificá-los.
Máscara de bondade e generosidade
A história da professora e do engenheiro se repete em várias faixas etárias e classes sociais. Com certeza, eles não serão os primeiros nem os últimos a ar por um a relacionamento conturbado, mas é bom saber que encontrar profissionais que entendam do riscado é uma ótima forma de não mais cair neste tipo de cilada. A psicóloga Andressa Taketa, especialista em relacionamento, fala como é o comportamento dos narcisos e o que fazer para identificá-los.
O DIA: Como é possível conseguir identificar um narcisista em potencial?
Andressa Taketa: Nos primeiros encontros, o narcisista costuma parecer perfeito. Ele é carismático, envolvente, atencioso. Vai te encher de elogios, fazer você se sentir única, especial, irada como nunca antes. Essa intensidade inicial pode parecer romântica, mas é uma das primeiras bandeiras vermelhas: ele acelera o vínculo emocional antes mesmo de te conhecer de verdade. Ao contrário do que muitos pensam, o narcisista não é alguém autoconfiante. Na verdade, é alguém com um ego extremamente frágil, que precisa de constante iração e validação externa para sustentar a ilusão de superioridade.
Com o tempo, começa a ficar claro que tudo precisa girar em torno dele. Suas emoções, necessidades e dores am a ser ignoradas ou minimizadas. O narcisista não enxerga o outro como uma pessoa, mas como um recurso emocional, uma extensão do seu próprio ego, alguém que existe para atender aos seus desejos.
O DIA: Como o narcisista se apresenta ?
Andressa Taketa: Ele costuma manter uma imagem impecável socialmente. Usa um máscara de bondade, generosidade e charme com o mundo externo, o que o torna ainda mais confuso e difícil de identificar para quem convive com ele. Mas, nos bastidores, rejeita críticas, não tolera frustrações e explode emocionalmente quando contrariado. Outro padrão recorrente é a terceirização constante de culpa. Ele nunca se responsabiliza por seus erros. Em seus relacionamentos anteriores, é comum que descreva todas as ex-parceiras como desequilibradas, difíceis ou 'loucas'. Essa narrativa o protege e alimenta a falsa imagem de vítima. Além disso, o narcisista utiliza técnicas de manipulação emocional como gaslighting (quando distorce a realidade e faz a vítima duvidar da própria percepção), críticas sutis, e alternância entre afeto e frieza. Isso instala uma confusão emocional profunda, criando um vínculo de dependência e autoculpa na pessoa que se relaciona com ele.
O DIA: Existe cura para um narcisista compulsivo?
Com o tempo, começa a ficar claro que tudo precisa girar em torno dele. Suas emoções, necessidades e dores am a ser ignoradas ou minimizadas. O narcisista não enxerga o outro como uma pessoa, mas como um recurso emocional, uma extensão do seu próprio ego, alguém que existe para atender aos seus desejos.
O DIA: Como o narcisista se apresenta ?
Andressa Taketa: Ele costuma manter uma imagem impecável socialmente. Usa um máscara de bondade, generosidade e charme com o mundo externo, o que o torna ainda mais confuso e difícil de identificar para quem convive com ele. Mas, nos bastidores, rejeita críticas, não tolera frustrações e explode emocionalmente quando contrariado. Outro padrão recorrente é a terceirização constante de culpa. Ele nunca se responsabiliza por seus erros. Em seus relacionamentos anteriores, é comum que descreva todas as ex-parceiras como desequilibradas, difíceis ou 'loucas'. Essa narrativa o protege e alimenta a falsa imagem de vítima. Além disso, o narcisista utiliza técnicas de manipulação emocional como gaslighting (quando distorce a realidade e faz a vítima duvidar da própria percepção), críticas sutis, e alternância entre afeto e frieza. Isso instala uma confusão emocional profunda, criando um vínculo de dependência e autoculpa na pessoa que se relaciona com ele.
O DIA: Existe cura para um narcisista compulsivo?
Andressa Taketa: O narcisismo patológico é classificado como um transtorno de personalidade. Isso significa que não estamos lidando apenas com comportamentos pontuais, mas com padrões persistentes, inflexíveis e profundamente enraizados de funcionamento emocional e relacional.
O tratamento seria a psicoterapia, que pode ajudar a atenuar certos comportamentos disfuncionais. No entanto, a eficácia do tratamento é limitada por um fator central: o próprio narcisista não reconhece que há algo errado consigo.
O tratamento seria a psicoterapia, que pode ajudar a atenuar certos comportamentos disfuncionais. No entanto, a eficácia do tratamento é limitada por um fator central: o próprio narcisista não reconhece que há algo errado consigo.
Pessoas com Transtorno de Personalidade Narcisista possuem um senso inflado de superioridade, associado a uma falta de empatia. Na visão do narcisista, o problema está sempre nos outros, nas pessoas 'fracas', 'sensíveis demais' e 'dramáticas'. Além disso, ele não sente culpa ou arrependimento genuíno pelas consequências que causam. É comum que só procurem terapia por motivos estratégicos: para manipular a vítima, convencer familiares, ou tentar recuperar algo que perderam, como um status, uma relação ou poder sobre alguém.
Em raríssimos casos, um colapso emocional, como a perda completa de vínculos, poder ou suprimento narcísico pode levá-los a buscar ajuda com o objetivo de retomar o controle. A psicoterapia nesse caso pode ajudar o narcisista a ajustar comportamentos que o prejudicam socialmente ou profissionalmente, não vai mudar a sua estrutura e nem torná-lo empático.
O DIA: Qual é a sua maior demanda? O narcisista também procura ajuda psicológica ou só as vítimas querem tratamento?
O DIA: Qual é a sua maior demanda? O narcisista também procura ajuda psicológica ou só as vítimas querem tratamento?
Andressa Taketa: A maior parte da demanda que chega ao consultório são as vítimas, principalmente mulheres emocionalmente esgotadas, confusas, culpadas e tentando entender por que continuam presas a um relacionamento que as faz mal. Elas costumam vir em busca de explicações e ferramentas para se libertar de ciclos repetitivos de abuso, manipulação e dependência afetiva. Já o narcisista, de forma geral, não busca ajuda espontaneamente, pois uma das características centrais do transtorno narcisista é a falta de autorresponsabilidade. Ele nunca reconhece que precisa mudar, quando procura terapia, costuma ser para manipular a vítima.
O DIA: Todos conhecem um caso de pessoa narcisista, mas é muito difícil, principalmente quando se está envolvido. Tem alguma técnica para se afastar de um narciso?
O DIA: Todos conhecem um caso de pessoa narcisista, mas é muito difícil, principalmente quando se está envolvido. Tem alguma técnica para se afastar de um narciso?
Andressa Taketa: Sim, é muito difícil se libertar porque o que prende a vítima a um narcisista não é amor, é um vínculo traumático. Esse tipo de vínculo se forma quando a mesma pessoa que causa dor também oferece, em certos momentos, alívio emocional. É um ciclo que mistura afeto com medo, atenção com rejeição, presença com abandono. Com o tempo, o cérebro da vítima entra em estado de alerta constante, e ela desenvolve uma dependência emocional parecida com um vício.
Por isso, o caminho para se libertar de um narcisista não é apenas se afastar fisicamente, é um processo terapêutico profundo que envolve desconstruir a idealização da relação e da pessoa, tratar as feridas emocionais anteriores que tornaram esse padrão possível, tratar os traumas gerados, reconstruir a autoestima e a autoconfiança, que foram destruídas ao longo da convivência com o narcisista. Existem estratégias práticas, como o contato zero, uma rede de apoio (amigos, família, grupos terapêuticos). Mas é fundamental entender que a verdadeira libertação não é quando a pessoa 'sai' da relação é quando ela se liberta emocionalmente.
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