Rio - Um jovem de 24 anos morreu baleado, na noite desta sexta-feira (26), em uma festa junina na comunidade do Santo Amaro, no bairro do Catete, Zona Sul do Rio. Segundo relatos, Herus Guimarães Mendes da Conceição teria sido atingido no momento em que policiais militares faziam uma operação na região. Outras cinco pessoas ficaram feridas.
fotogaleria
A vítima chegou a ser socorrida para o Hospital Glória D'Or, também na Zona Sul, mas não resistiu aos ferimentos. De acordo com a istração da unidade, o paciente deu entrada na emergência na madrugada deste sábado (7), em estado grave, e após "exaustivas manobras de ressurreição", acabou morrendo.
"Todo mundo feliz, um monte de criança pequena, bebê recém-nascido de colo e, do nada, a polícia chegou, teve uma troca de tiros e eu estou aqui, infelizmente, para dar a notícia que meu filho não sobreviveu (...) A família está arrasada, é o meu único filho", disse o pai de Herus, Fernando Guimarães, em entrevista ao 'RJ1' da TV Globo.
Moradores relataram nas redes sociais que acontecia uma apresentação de quadrilhas juninas, com a participação de crianças e famílias da comunidade. No momento da festa, um tiroteio teve início e provocou pânico entre os participantes. Além da morte de Herus, a ação também deixou feridos, levados para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro. A unidade informou que um dos paciente, um adolescente de 16 anos, recebeu alta hospitalar no início da tarde deste sábado (7).
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), cinco pessoas feridas por arma de fogo deram entrada na unidade. Entre elas, três têm quadro estável, uma permanece em estado grave e uma recebeu alta neste sábado (7). Trata-se de um adolescente de 16 anos, membro da quadrilha Balão Dourado, de São Gonçalo, na Região Metropolitana.
Ao DIA, o líder do grupo, Cristiano Pereira, contou que a festa reunia quadrilhas de várias cidades do Rio. Segundo ele, um grupo se apresentava e moradores da comunidade dançavam junto, quando um tiroteio teve início, provocando correria. Confira abaixo. Ele relata que policiais militares do Batalhão de Operações (Bope) saíram de becos à pé, em confronto com criminosos.
Ação policial com tiroteio deixa jovem morto e cinco feridos em festa junina na comunidade do Santo Amaro
"O pessoal do Bope veio pelos becos e quando apareceram, ninguém viu nada, só um monte de tiro para 'tudo' quanto é lado (...) Os bandidos saíram não sei de onde, a bala veio não sei de onde, a gente não viu, tinha muita gente (na festa). Na hora dos tiros, estava 'rolando' uma roda, com um monte de gente dançando no meio, era o público com os quadrilheiros. Não percebemos nada".
Cristiano, que foi para o Hospital Municipal Souza Aguiar acompanhar o adolescente E.S.F, relatou que procurou os agentes do Bope na unidade e eles teriam alegado que verificavam uma denúncia, mas quando viram a festa, já haviam sido alvo de bandidos. Entranto, ele diz que os PMs negaram que os disparos que atingiram as vítimas tenham partido deles.
"Os 'caras' do Bope falaram que não atiraram, que só quem atirou foram os bandidos. Eles usam fuzil e os tiros foram todos de pistola. Realmente, o tiro que o meu integrante levou foi de pistola". O quadrilheiro afirmou que não imaginava que uma ação policial interromperia a celebração e chegou a acreditar que o ataque havia partido de uma invasão de facção.
"A gente achou que por ser uma festa junina, que não tinha funk, que é um movimento cultural com cinco grupos de quadrilha, um deles com crianças de no máximo 12 anos, que fosse alguma outra facção tentando invadir. A gente nunca ia imaginar que a Polícia Militar ia fazer uma ação desastrosa daquele jeito numa festa junina. Em 47 anos, eu nunca vi o Bope fazer uma ação desastrosa dessas. Foi uma coisa surreal, um pânico, uma coisa que eu nunca vi na minha vida", desabafou o líder.
Em nota, a Polícia Militar informou que equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) realizaram uma ação emergencial para verificar informações sobre a presença de diversos criminosos fortemente armados reunidos na comunidade do Santo Amaro, se preparando para uma possível investida de rivais, por uma disputa territorial na região.
A PM disse ainda que bandidos atiraram contra os policiais, na região onde ocorria o evento, mas eles não revidaram. Entretanto, "em outro ponto da comunidade, os criminosos atacaram as equipes novamente, gerando confronto". Os militares chegaram a socorrer um dos baleado para o hospital. "As equipes utilizaram câmeras de uso corporal e as imagens já estão sendo captadas e comprovadas pela Corregedoria da corporação".
O comando do Batalhão instaurou um procedimento apuratório para analisar a situação dos fatos. A PM não informou se as equipes envolvidas na ação sabiam sobre a realização da festa. O caso foi registrado inicialmente na 9ª DP (Catete) e encaminhado para a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). As diligências estão em andamento para apurar os fatos.
Procurado, o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público do Rio (GAESP/MPRJ) informou que a operação foi previamente comunicada pelas forças de segurança. "O órgão está em contato com as Polícias Militar e Civil, para obter mais informações sobre o ocorrido". A população pode entrar em contato com o GAESP/MPRJ através do número 127 ou pelo e-mail: [email protected].
Na tarde deste sábado, moradores da comunidade fazem um protesto próximo à 9ª DP, na Rua Pedro Américo, pedindo justiça. O grupo exibe cartazes com frases como "Herus tinha 24 anos e sonhos", "Morro Santo Amaro pede paz!", "Favelado não é bandido". Segundo o Centro de Operações Rio (COR), os manifestantes ocupam uma faixa da via, na altura da Rua Barão de Guaratiba, e o trânsito é intenso na região. Equipes da CET-Rio e da PM atuam no local.
Comissão de Direitos Humanos cobra "investigação imediata"
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (CDDHC) da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), enviou um ofício à Polícia Militar e ao Bope, cobrando investigação imediata e solicitando o às imagens das câmeras corporais dos agentes envolvidos na operação.
"Inissível o que aconteceu hoje no Santo Amaro. A favela não é campo de guerra. Primeiramente, me solidarizo com a família do Herus nesse momento de tamanha dor (...) Chega de esculacho na favela!", afirmou Dani Monteiro. Em nota, a CDDHC afirmou que seguirá acompanhando o caso e cobrando responsabilização dos envolvidos.
A ação gerou repercussão nas redes sociais entre autoridades e personalidades, como o deputado federal Chico Alencar (PSOL), que descreveu como "inaceitável". "O que aconteceu nessa madrugada no Santo Amaro é inaceitável! Em que áreas da cidade a polícia interrompe a tiros uma tradicional Festa Junina? Uma confraternização bonita entre moradores, expressão cultural, com muitas crianças e adolescentes, jamais poderia ser interrompida por tiros de fuzil", escreveu o parlamentar.
A também deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) comparou a ação à guerra travada na Faixa de Gaza. "As imagens mostram uma violência gratuita, que lembra o massacre israelense em Gaza - num momento, música e dança; de repente, tiros e desespero. Uma comunidade carioca agredida pelas forças do Estado enquanto exercia seu direito à festa, à cultura, à vida".
A deputada estadual Marina do MST (PT) também comentou o caso. "O Bope entrou ATIRANDO no meio da Festa Junina do Santo Amaro! A falsa guerra ao tráfico só se reafirma como guerra aos pobres e às favelas. Era para ser alegria, virou terror. Morador não é bandido! Até quando a bala será a resposta do Estado ao povo favelado?".
O episódio de violência também repercutiu no meio artístico. "Onde vamos parar? Chega de violência!!!", escreveu o ator Paulo Betti, em seu perfil. "O que fizeram na comunidade Santo Amaro foi muito triste. Muita criança se divertindo e do nada correria e mortes. Qual a imagem que fica da PM pra eles? Respeito, medo ou raiva?", questionou o humorista Paulinho Serra.
O ativista pelos direitos humanos e fundador do jornal Voz da Comunidades lamentou a violência durante a festa. "FAVELA quer cultura e paz, não tiros e medo! Festa Junina não é lugar de operação policial! Basta de violência nas favelas!", desabafou.
O corpo de Herus será velado a partir das 11h, na capela 6 do Cemitério São João Batista, em Botafogo.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.