Na ação, Altemar Pinto, responsável por uma das cooperativas de vans foi levado à Cidade da PolíciaReginaldo Pimenta/Agência O DIA

Rio - A Polícia Civil realizou, nesta terça-feira (27), a "Operação Caronte", contra uma fraude milionária no transporte público através do Bilhete Único Intermunicipal. Segundo investigações, donos de 'vans fantasmas' desviavam dinheiro, fazendo uso de viagens que nunca aconteceram. Na ação, o responsável por uma das cooperativas, Altemar Pinto, foi preso em flagrante com munição de fuzil. Ao todo, os agentes apreenderam dispositivos eletrônicos, mídias, documentos, um veículo e um revólver.
As equipes da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), com apoio da 109ª DP (Sapucaia) e de outras delegacias especializadas, cumpriram nove mandados de busca e apreensão em residências e empresas de permissionários de vans. Além disso, com auxílio do Detro e de peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), fizeram fiscalização para verificar a possível utilização de veículos roubados no transporte de ageiros pela organização criminosa. 
No geral, entre os investigados estão dirigentes de cooperativas e operadores de linhas suspeitas de funcionar como “fábricas de bilhetes falsos”, alguns deles com antecedentes em outras fraudes no setor de combustíveis. Em uma das situações apuradas, o suspeito apontado como líder movimentou mais de R$ 1,2 milhão em apenas seis meses — R$ 259 mil em dinheiro vivo.
De acordo com a delegada assistente da DDSD, Daniela Amorim, as investigações sobre o caso tiveram início em 2023.

"O Detro, por meio de auditorias internas, verificou que havia, possivelmente, a prática de fraudes relacionadas à bilhetagem eletrônica envolvendo o Bilhete Único, que utiliza subsídio do Estado do Rio para custear essas agens. Então, começou a encaminhar documentos referentes a esse tipo de atuação, os quais comprovaram que, possivelmente, estavam ocorrendo fraudes em várias linhas que operam na Baixada. A partir desses documentos, iniciamos a investigação", disse.
Como funcionava o esquema?

O esquema, revelado após uma longa investigação sigilosa, envolve linhas intermunicipais de transporte entre a Baixada Fluminense — Guapimirim, Magé, Piabetá e Raiz da Serra — e o Centro do Rio. Os fraudadores simulavam dezenas de agens por hora em veículos com apenas 15 lugares, utilizando-se do sistema de bilhetagem eletrônica para burlar os rees do estado. Em um dos casos, foram registradas mais de 34 validações em apenas uma hora, sem que nenhum ageiro sequer entrasse na van.

O núcleo criminoso investigado lucrava por meio da simulação deliberada de viagens inexistentes com o uso fraudulento de cartões RioCard vinculados ao programa Bilhete Único Intermunicipal. Por meio da instalação e manipulação dos validadores eletrônicos em suas vans, os permissionários realizavam múltiplas validações sequenciais — muitas vezes com o veículo parado e sem qualquer ageiro a bordo — registrando artificialmente um alto número de "embarques".
Cada validação gerava automaticamente um crédito a ser reembolsado pelo estado, na forma de subsídio tarifário, como se uma viagem legítima tivesse ocorrido. Ao longo do tempo, essas falsas validações resultavam em rees mensais significativos às cooperativas e aos próprios permissionários, que se apropriavam indevidamente desses recursos. Em muitos casos, os cartões utilizados pertenciam a terceiros que sequer estavam presentes no trajeto, o que reforça o caráter simulado da operação.
Lavagem de dinheiro

Os valores obtidos eram, em parte, lavados por movimentações fracionadas, aquisição de bens em nome de terceiros e uso de empresas de fachada, consolidando o enriquecimento ilícito com aparência de legalidade e dificultando a rastreabilidade do produto do crime. De acordo com o apurado, o esquema era baseado na industrialização da fraude, cujo lucro decorria diretamente da exploração de uma política pública voltada à proteção do cidadão trabalhador.

O inquérito apontou que os autores montaram uma organização criminosa com divisão de tarefas, ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro, sustentada por um fluxo constante de rees falsificados do programa Bilhete Único, que movimenta anualmente cerca de R$ 900 milhões. A estimativa é que o prejuízo gerado por esse grupo possa chegar a dezenas de milhões de reais por ano.

As apurações contaram com oitivas de testemunhas, cruzamento de dados do sistema de bilhetagem, rastreamento de itinerários e cooperação com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o Laboratório de Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) da Polícia Civil. O relatório de inteligência financeira revelou movimentações incompatíveis com as rendas declaradas, saques fracionados em espécie, rees cruzados entre os próprios permissionários e vínculos com cooperativas e locadoras de fachada.

A operação tem como objetivo apreender documentos, celulares, mídias digitais, veículos de alto valor e joias de origem suspeita, além de ar o conteúdo de dispositivos eletrônicos e registros de dados em nuvem que possam comprovar o esquema. Com o material em mãos, a DDSD vai ampliar as diligências, a fim de identificar outros envolvidos. Os alvos responderão pelos crimes de peculato, lavagem de capitais e constituição de organização criminosa.
Riocard reforça que benefício é intransferível 
Em nota, o Riocard Mais esclarecu que colabora continuamente com as autoridades de transporte e segurança denunciando casos de uso irregular do Bilhete Único Intermunicipal (BUI). "É importante lembrar que o benefício é pessoal e intransferível, concedido aos ageiros com renda mensal até R$ 3.205,20", reforça.

A empresa informou ainda que mantém um controle rigoroso e efetivo a respeito da utilização de cada cartão cadastrado com o BUI pelo seu respectivo responsável.
"Por meio do sistema de bilhetagem eletrônica, com controles antifraude, é realizado o bloqueio dos cartões com utilização suspeita, conforme sanções apoiadas pela legislação em vigor. As informações são compartilhadas regularmente com as autoridades responsáveis. Recentemente, as vans que operam linhas intermunicipais também aram a utilizar câmaras com sistema de biometria facial na fiscalização do BUI.", frisou em comunicado.