Publicado 08/06/2025 00:02
O som do celular interrompe o silêncio e a poesia do sono, do sonho. Acordo. Invariavelmente, deixo sem som. Por alguma razão esqueci. E as mensagens foram exigindo o levantar. Fui ao banheiro.
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Aprendi a silenciar grupos. Um deles, mais recente, acabei não fazendo. Excesso de fazer gera lapsos do fazer.
Volto do banheiro e tomo água. Sento e olho o celular. E começo a ler as mensagens. Ainda é cedo. Resolvo começar a responder, confesso que para me ver livre de tantas sinalizações. Respondo e me respondem e tenho que responder novamente.

Paro. Abro os emails. E são muitos. E um cansaço toma conta de mim ainda no inaugurar do dia. Abro uma das redes sociais. Há mensagens à exaustão. E o cansaço pesa ainda mais. Nas mensagens, as cobranças. Nas cobranças, a sensação de impotência. Não gosto de indelicadezas. Preferiria responder a todos. Não posso, entretanto, ser indelicado comigo. Deixo o celular.
Ouço o sino da Igreja. E a minha vida, sem tanta tecnologia, sai da minha memória e me alivia o fastio do amanhecer de hoje. Decido ir à padaria comprar pão. A manteiga está na geladeira. Decido ir até uma banca, não tão longe de onde moro, e comprar alguma fruta. Na padaria, converso com o padeiro e elogio o seu ofício. Na banca, escolho as frutas e também converso. Uma mulher fala da chuva que está por vir. Um outro fala do cachorro que adoeceu.
Na volta, encontro um vizinho que me conta da filha que marcou a data do casamento. Eu parabenizo e ele prossegue dizendo que não sabe se o noivo é bom moço. Conversamos um pouco e, um pouco adiante, o porteiro me entrega algumas correspondências. Esse ir e vir pelas ruas, esse olhar e ser olhado, esse dizer às pessoas e delas ouvir ditos alimenta minha alma de vida verdadeira.
Em casa, resolvo ainda não olhar para o celular. Faço eu mesmo o café e tenho saudade do meu pai. Eu gostava de fazer café para ele. Eram outros tempos. Enquanto a água ferve, lavo as frutas. Na minha casa, todo mundo ajudava todo mundo. Era bonito de ver a cozinha cheia. E o fogão à lenha.
Hoje, o dia está lindo. Um sol aquece a temperatura que, nessa época do ano, é mais baixa. Olho os jardins pela janela. Em todo lugar, há vida. E a vida é decidida pelas escolhas que fazemos, pela gentileza com que a tratamos.
Interfono para minha vizinha do andar de baixo que, há não muito, perdeu o marido. E aviso que o café está pronto. Ela, rapidamente, está comigo. Comemos sem pressa. A manteiga desliza no pão e o queijo aumenta o prazer do alimentar. Os morangos estão especiais nessa época do ano. Ela conta histórias do marido. Eu ouço. Ela chora. Eu compreendo. Eu conto histórias que julgo divertidas, e ela ri. Eu desfaço a mesa, e ela se oferece para lavar a louça. Agradeço. Gosto eu mesmo de fazer. E pensar nas impurezas que posso retirar do mundo. Nos despedimos, e ela se vai.
Ligo uma música baixa e pego um livro. Um livro é um mundo a ser conhecido. O celular prossegue no quarto. Em um outro momento, respondo às mensagens que conseguir. Limpar os fastios é tarefa necessária, se queremos respirar sem os cansaços que nos pesam.
Já nas primeiras páginas, o tema do amor. Ninguém saberá amar, se não amar os silêncios do mundo. No silêncio do mundo, a voz de alguns arinhos que sempre cantam por aqui.
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