Boato infundado envolvendo marido de Marina Silva e serrarias ilegais volta a circularFoto: Reprodução
Publicado 06/06/2025 18:36
Não há provas de que Fábio Vaz de Lima, marido da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, seja dono de serrarias clandestinas no Pará ou esteja envolvido com contrabando de mogno na região Norte, diferentemente do que sugere uma imagem que voltou a circular nas redes sociais. A publicação resgata acusações antigas e sem comprovação, apresentando-as como se fossem fatos atuais e confirmados.
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O boato remonta a um episódio ocorrido em maio de 2011, durante discussões no Senado sobre o Código Florestal. Na ocasião, o então deputado Aldo Rebelo acusou o marido de Marina de envolvimento com contrabando de madeira. A acusação foi uma reação a uma crítica feita por ela no antigo Twitter. No dia seguinte, Marina convocou uma coletiva para rebater as acusações, que classificou como “levianas e infundadas”. O próprio Rebelo recuou, dizendo ter falado “de cabeça quente” e prometeu que ligaria para se desculpar.
As acusações feitas por Aldo Rebelo se baseavam em uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU), que apurou a doação de quase seis mil toras de mogno apreendidas na Amazônia para a ONG Fase, por meio de convênio com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em nota oficial, divulgada em 2011, Marina disse que o vínculo de Fábio Vaz de Lima era indireto, pois ele trabalhou no Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), rede à qual a ONG era ligada, mas havia deixado o grupo em 1999. A FASE é uma organização não governamental que não possui fins lucrativos e hoje atua em seis estados brasileiros, tendo sua sede nacional no Rio de Janeiro. De acordo com o seu site oficial, a ONG “esteve comprometida com o trabalho de organização e desenvolvimento local, comunitário e associativo” desde as suas origens.
Marina Silva, por sua vez, pediu formalmente que o Ministério Público Federal investigasse o caso. Em 23 de julho de 2013, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, arquivou o processo por falta de provas. A decisão diz que “quanto às acusações feitas contra Fábio Vaz de Lima, não há um único elemento que confira foros de verossimilhança aos fatos noticiados pela imprensa”.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova
O conteúdo foi publicado por uma conta no X que, até a data da verificação, contava com 30,8 mil seguidores. A postagem específica teve grande alcance: 1,4 milhão de visualizações, 2 mil republicações e 4 mil curtidas até 4 de junho.
O Comprova entrou em contato com o responsável pela conta, mas não obteve resposta até o momento. Ele diz se chamar Miguel e informa como local a cidade gaúcha de Bento Gonçalves.
A conta existe desde 2014 e tem um histórico de publicações alinhadas à direita política, frequentemente com elogios a líderes conservadores como Donald Trump e Jair Bolsonaro (PL), e críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em uma das postagens, por exemplo, o perfil afirma: “Não tem como reorganizar o país ou resolver ao menos o problema da corrupção enquanto que esta máfia estiver no poder, isto é fato e ponto final.”
O contexto e o padrão de publicações sugerem uma intencionalidade de deslegitimar figuras do atual governo federal, o que pode explicar o interesse em associar a ministra Marina Silva e seu marido a práticas ilegais sem apresentar qualquer tipo de comprovação.
Por que as pessoas podem ter acreditado
A publicação usa linguagem alarmista para provocar indignação imediata. Ao apresentar acusações graves, como envolvimento com serrarias clandestinas e contrabando de madeira, sem qualquer prova, o post apela para o escândalo como forma de convencimento. O conteúdo não cita fontes, investigações ou documentos, mas é escrito como se as informações fossem de conhecimento público.
Outro recurso usado é o ataque direto à imagem de Marina Silva, com um tom depreciativo (“hipócrita descarada”) e menção pejorativa à sua aparência (cabeça de tartaruga). Isso reforça o caráter emocional da postagem, criando um contraste entre o discurso ambientalista da ministra e as informações não comprovadas sobre o envolvimento do marido com o contrabando de madeira.
A publicação também utiliza uma imagem pessoal do casal para sugerir cumplicidade, reforçando a ideia de contradição entre a vida pública e a vida privada. Esse tipo de abordagem pode enganar leitores justamente porque simula uma denúncia séria, ainda que sem qualquer sustentação factual.
A ausência de contexto e a forma como o conteúdo é apresentado — direto e visualmente impactante — aumentam as chances de compartilhamento, principalmente entre perfis críticos à ministra ou ao governo.
Isso é verdade, @grok?
É cada vez mais comum que usuários do X perguntem ao Grok, ferramenta de inteligência artificial da plataforma, se afirmações de determinados posts são verdadeiras. Essa tática foi absorvida também por desinformadores, que a utilizam para espalhar mentiras nas redes sociais.
Ao fazer isso, a mentira pode se espalhar de três formas. Uma delas é quando os usuários nem leem a resposta do Grok, apenas o conteúdo com desinformação. Outra, pior, é quando o Grok dá uma resposta errada, contendo falsidades. E uma terceira, quando usuários aproveitam para compartilhar a desinformação com a desculpa de estarem apenas consultando a IA.
Como o UOL mostrou, a ferramenta afirmou, erroneamente, que um vídeo em um aeroporto no Sudão seria um ataque de mísseis contra uma base aérea no Paquistão.
No caso do post envolvendo Lima, também é possível perceber como o Grok age em relação à desinformação. O cantor Roger Rocha Moreira, que já teve publicações verificadas e classificadas pelo Comprova como falsas ou enganosas (1, 2 e 3 e 4), compartilhou o post mencionando o marido de Marina Silva incluindo a legenda “Isso é verdade, @grok?”.
A ferramenta dá respostas diferentes à mesma pergunta. Para Roger, ele diz que Lima é acusado. Já para um usuário que comenta no mesmo post do cantor com uma captura de tela de reportagem da CNN intitulada “Ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles vira réu por exportação ilegal de madeira” e a pergunta “Isso é verdade @grok?”, a ferramenta responde, em inglês, que “a alegação de que Fábio Vaz de Lima, marido de Marina Silva, está envolvido com extração ilegal de madeira ou possui serrarias ilegais no Pará é falsa” e que “isso parece ser desinformação”.
O Comprova tentou contato com Roger, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
Vale lembrar que as ferramentas de inteligência artificial podem cometer erros e as informações que fornecem devem sempre ser checadas em fontes confiáveis.
Fontes que consultamos: Reportagens e verificações sobre o assunto e o site JusBrasil.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: As alegações contra o marido da ministra Marina Silva já foram desmentidas por diversas iniciativas de checagem. O Comprova, em 2018, mostrou que é falso que ele tenha extraído madeira ilegalmente em 2003. Estadão, Lupa, UOL Confere e Aos Fatos também desmentiram versões semelhantes da mesma acusação. Em 2023, o boato foi revivido e desmentido novamente pelo Estadão.
Notas da comunidade: A postagem no X não exibe notas da comunidade.
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